quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Cronologia de uma tragédia.


Fartamente coberta pela mídia do Brasil e do mundo, a tragédia que se abateu na região serrana do Rio de Janeiro foi muito mais séria do que muita gente supõe. Como morador de Nova Friburgo, minha vontade era passar logo para todos os meus leitores, tanto do blog como do twitter, o que estava acontecendo em minha cidade. Porém, a Internet na minha casa só voltou a funcionar três semanas depois do desastre. Antes de escrever esse texto, eu iria escrever sobre como foram as minhas férias entre outras futilidades. Tudo se tornou um tanto mais fútil e desnecessário depois de tudo o que passamos e eu posso dizer que sou um felizardo por não ter perdido tanto quanto outras pessoas perderam. Aqui vai uma pequena cronologia dos fatos e alguns detalhes do que aconteceu...

Terça – 11.01.2011:
A noite começou quente, mas como sempre, por volta das 22hs, começou uma chuva intensa. Continuei plugado na Internet sem dar muito credito ao temporal. A luz começou a acabar e voltar depois de alguns minutos. A Internet parou de funcionar por volta de meia noite e resolvi organizar fotos no computador antes de desligá-lo. Fui para cama meia hora depois, mas ainda assisti a um episódio de Uma Família Da Pesada. Logo depois dormi. Durante a madrugada, acordei para ir ao banheiro, a luz tinha acabado novamente e a chuva era intensa.

Quarta – 12.01.2011:
Sete da manhã, minha mãe abre a porta do meu quarto, me chama e diz: “Caiu um monte de barreira durante noite”. Respondi: “Eu imagino”, afinal quando fui dormir a chuva era grande e imaginei que tinham caído algumas barreiras, no que ela respondeu de bate pronto: “Não imagina, não!”. Ouvi vozes na rua e levantei. Preparei um café e fui olhar pela janela: alguns desmoronamentos em lugares impensáveis. Para cada lado que olhava, uma surpresa. Muita coisa acontecendo e quedas de terra por todos os lados. Desci para a rua e vários vizinhos estavam aflitos. Um homem corre com uma criança nos braços para levá-la ao hospital. Infelizmente, mais tarde soubemos que a criança não sobreviveu.
Fico sem saber o que fazer: ando de um lado para outro, entro em casa e volto para a rua sem parar. Vou até minha loja limpar a calçada de lama que se formou em frente as portas. Felizmente a água não chegou a invadir a loja. Volto para casa e fico acompanhando as noticias dos vizinhos. Não há luz, os telefones fixos e celulares estão sem sinal.
Vários vizinhos se reúnem na calçada da minha loja para conversar. Chega a noticia de que o hospital mais próximo da minha casa (São Lucas) poderia ser interditado a qualquer momento, pois uma pedra se descolou da montanha e saiu arrebentando tudo pela frente. Resolvo dar uma volta pelo bairro e as coisas estão horríveis: quedas de terra por vários lugares, casas soterradas e muita tristeza por tudo o que estamos vendo. Muitas pessoas nas ruas procurando noticias e correndo no mercado para fazer compras.
Começam a chegar noticias de outros lugares, parece que a cidade foi atacada por aviões de guerra e a palavra mais ouvida é: “acabou”. Bairro tal? Acabou! Aquele outro? Acabou!
Helicópteros circulam o tempo todo nos céus, ajudando as pessoas que estão isoladas ou precisando de algo.
Chega a noticia de que um primo meu morreu em uma das casas que foram soterradas no bairro de Córrego Dantas. Também chega a noticia de que dois prédios caíram no centro da cidade. Daí até o fim do dia é só tensão pela falta de noticias dos amigos e parentes e medo do que poderia vir pela frente. Sem nada para fazer a noite, bato um longo papo com minha irmã e vamos dormir.

Quinta – 13.01.2011:
Acordo cedo, a falta de noticias dos amigos me deixa ansioso, fumo sem parar... Resolvo ir ao centro da cidade ver se encontro alguém e ver se meu amor está bem. O caminho é longo e não há condução pública e ir de carro é perigoso. Levo mais de uma hora passando por lama e água para chegar ao centro da cidade. Em um mercado vejo pessoas revirando o lixo a procura de mantimentos. Tudo parece cenário de filme de destruição: carros pelas ruas, revirados, lama, muita lama por todos os lados, casas destruídas, pessoas cabisbaixas enlameadas, transito lento e caótico, lojas fechadas ou fazendo limpeza... Encontro alguns amigos que vão me informando de outros amigos e assim percebo que pelo menos a maioria está bem. Chego na rua do apartamento do meu amor. Subo em uma montanha de terra e árvores para atravessar e ele como que por instinto, está do outro lado a me esperar. Quando nos abraçamos, o choro sai descontrolado e é difícil nos concentrarmos... Não há noticias de várias pessoas ainda, mas também não chegou mais nenhuma noticia ruim. Fico no apartamento até o inicio da tarde e acompanho as reportagens dos canais de tv. Finalmente tenho noção de tudo o que aconteceu e as lágrimas vem a todo o momento. A preocupação volta pelos parentes que residem em outras cidades afetadas pelas chuvas.
Helicópteros continuam nos céus e sirenes dos bombeiros e policia são rotina.
Chego em casa no fim da tarde, muito chocado com tudo o que vi e repassando as noticias para a família e vizinhos. Mais um dia sem os itens básicos da civilização: água encanada e luz.

Sexta – 14.01.2011:
Por volta da hora do almoço surge o boato de que uma barragem havia estourado na cidade. Perto da minha casa não há rio, mas ficamos todos muito apreensivos com a noticia. O boato muda e nos fim das contas é só um boato mesmo. No You Tube existe muitos vídeos mostrando como foi o pânico nas ruas.
As coisas continuam na mesma: sem água, luz, telefone... Nada! As conversas continuam e só chegam noticias de lugares que foram destruídos.
Todo mundo está estocando comida em casa, com medo de haver desabastecimento. Cigarros já não são encontrados facilmente, assim como gasolina.

Sábado – 15.01.2011:
Trabalho na parte da manhã e depois do almoço vou a pé novamente para a casa do meu amor. A rua continua enlameada e não existe ônibus para todos os lugares. Ando muito e chego exausto ao meu destino.

Domino – 16.01.2011:
Passamos dia inteiro ao telefone, já que em alguns lugares eles voltaram a funcionar, pelo menos os celulares.

Segunda – 17.01.2011:
A luz voltou ao meu bairro e finalmente começamos a saber das noticias em horário real.
Durante toda a semana começam a chegar mantimentos enviados por pessoas de todo o Brasil. Há muita gente que pega mantimentos sem necessitar. Mas quem sou eu para dizer quem precisa ou não? Só vejo muita gente se aproveitando da situação para levar vantagem e ouço de um vizinho que ele tem mantimentos para uns três meses. Depois de alguns dias a água volta, mas racionada.
Pára de chover tão intensamente e o medo de novos desmoronamentos é amortizado.

Uma semana depois:
Continuam chegando mantimentos, roupas e água, alguns lugares começam a receber ajuda e os celulares já funcionam. A água continua faltando, mas volta em alguns dias, com cheiro de terra e merda, impossível de se beber ou cozinhar.

Daí para frente, as coisas vão aos poucos voltando ao normal. A cidade vai se limpando, mas como o calor é intenso, a lama vira poeira e máscaras são objetos de muita necessidade. Ônibus voltam a circular e a Internet também volta. Doações são mais escassas, mas água mineral continua chegando em menor quantidade.
Normalidade é uma palavra forte para explicar como as coisas estão na cidade agora, três semanas depois do acontecido, mas em comparação com os dias de trevas, melhorou muito.

Não publicarei nenhuma foto da minha cidade destruída. Isso é triste e é uma história que merece ser contada, mas não glomourizada. Por isso, fiquem com uma imagem da minha cidade linda e que vai voltar a ficar linda em breve. É a imagem do símbolo da cidade, o Cão Sentado...

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